Desvendando a Cirurgia para Epilepsia: Esperança e Avanços no Tratamento de Transtornos Neurológicos
Introdução
A epilepsia é um transtorno neurológico complexo que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar dos avanços em tratamentos medicamentosos, uma parcela significativa de pacientes continua a sofrer com crises epilépticas que impactam negativamente sua qualidade de vida. É nesse contexto que a cirurgia para epilepsia surge como uma alternativa promissora, oferecendo esperança e melhorias substanciais na qualidade de vida dos pacientes. Neste texto, exploraremos em detalhes o cenário da cirurgia para epilepsia, desde os critérios de seleção até os procedimentos mais comuns, destacando os avanços recentes nesse campo.
Compreendendo a Epilepsia e a Indicação para Cirurgia
A epilepsia é uma enfermidade caracterizada pela alteração na atividade cerebral, com disrupção nos impulsos elétricos e nas transmissões químicas, resultando em uma desorganização da funcionalidade do sistema nervoso central. Essas modificações acarretam em sintomas como crises epiléticas, movimentos desordenados do corpo, mudanças nas sensações e diminuição da consciência.
Segundo a avaliação da Organização Mundial de Saúde (OMS), a condição afeta aproximadamente 2% da população do Brasil e cerca de 50 milhões de indivíduos ao redor do globo. A epilepsia corresponde a uma modificação temporária e reversível na atividade cerebral, sem origem em febre, substâncias químicas ou desequilíbrios no metabolismo. Durante breves momentos, partes do cérebro emitem sinais incorretos, que podem permanecer localizados ou propagar-se.
Quando restringidos, tais episódios são identificados como crises focais; já quando englobam ambos os hemisférios cerebrais, são considerados generalizados. Por conseguinte, algumas pessoas podem manifestar sintomas de epilepsia de maneira mais visível, contudo, isso não diminui a importância do problema caso a crise não seja tão óbvia.
Diagnóstico
Na maioria das vezes, a identificação de uma crise epiléptica pode ser realizada clinicamente através de um exame físico abrangente, com foco nas esferas neurológica e psiquiátrica, e por meio de uma anamnese detalhada pelo paciente. Frequentemente, contar com um observador presencial é crucial para que a crise seja relatada em minúcias. A presença de uma aura (manifestação sensitiva inicial de uma crise), assim como elementos desencadeantes da crise, devem ser anotados. É importante registrar a idade de início, a frequência das crises e os intervalos entre elas (o mais curto e o mais longo período observado na história do paciente), frequentemente utilizando um diário das crises.
A história também deve abordar a ocorrência de eventos pré e perinatais, crises durante o período neonatal, convulsões febris, qualquer crise não provocada e antecedentes de epilepsia na família. Lesões cranianas, infecções ou exposições prévias a substâncias tóxicas também necessitam de investigação.
Também é crucial realizar um diagnóstico diferencial preciso com outros transtornos paroxísticos da consciência, como síncope e crises psicogênicas não epilépticas, assim como manifestações neurológicas focais repentinas, como isquemia cerebral aguda e enxaqueca.
A indicação para cirurgia envolve uma avaliação criteriosa da equipe médica, incluindo neurologistas, neurocirurgiões, psicólogos e outros profissionais de saúde. Critérios como a falha do tratamento medicamentoso, a identificação precisa da origem das crises e a ausência de lesões cerebrais progressivas são levados em consideração. Além disso, a análise do impacto das crises na qualidade de vida do paciente é fundamental para determinar a adequação da cirurgia.
Procedimentos Cirúrgicos para Epilepsia
Existem diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos para epilepsia, e a escolha do método depende das características específicas de cada paciente. Alguns dos procedimentos mais comuns incluem:
Ressecção focal;
Ressecção do lobo temporal;
Lesionectomia;
Terapia térmica intersticial a laser;
Hemisferectomia;
Calosotomia;
Radiocirurgia estereotáxica;
Implantação de dispositivos de neuroestimulação.
Neuroestimulação
Três dispositivos de estimulação neural receberam aprovação para abordar a epilepsia que não responde aos medicamentos:
Estimulação do Nervo Vago (VNS)
A Terapia do Nervo Vago (VNS) é autorizada para o tratamento da epilepsia focal quando a cirurgia não se mostra viável ou não produz resultados satisfatórios. Um pequeno dispositivo gerador de impulsos elétricos é inserido sob a pele na região torácica. Um fio conhecido como “eletrodo estimulador” é então ligado ao nervo vago localizado no pescoço.
Esse gerador provoca estímulos no nervo vago seguindo um cronograma predeterminado. Com o passar do tempo, essa abordagem auxilia na diminuição tanto da frequência quanto da intensidade das crises convulsivas em um indivíduo. Ela demonstra eficácia em mais de metade das pessoas que a utilizam.
Neuroestimulação Responsiva (RNS)
A Neuroestimulação Responsiva (RNS) é um aparelho que tem a capacidade de registrar diretamente a atividade epiléptica do cérebro e administrar estímulos para interromper as crises convulsivas. Esse dispositivo, também referido como gerador de impulsos elétricos, é inserido no crânio.
Eletrodos são posicionados sobre ou no interior do cérebro, na região onde as crises têm origem. O aparelho identifica o início da crise e, em sequência, emite um estímulo elétrico para interrompê-la.
Estimulação Cerebral Profunda (DBS)
A intervenção cirúrgica de Estimulação Cerebral Profunda (DBS) implica na inserção de um eletrodo no cérebro e na colocação de um dispositivo estimulante sob a pele da região torácica. O eletrodo cerebral é implantado por meio de uma pequena abertura criada no crânio. Tecnologias avançadas de ressonância magnética e um sistema de orientação computadorizada são empregados para direcionar o eletrodo até atingir a posição precisa no interior do cérebro, onde o alvo está localizado. O dispositivo estimulante inserido no tórax é comparável a um marca-passo e é conectado ao eletrodo cerebral.
O dispositivo envia sinais ao eletrodo do cérebro para interromper os sinais que desencadeiam uma convulsão. A cirurgia de DBS para o tratamento de convulsões foi aprovada pela US Federal Drug Administration (FDA) em 2018.
Avanços Recentes e Considerações Futuras
Nos últimos anos, avanços significativos têm sido alcançados no campo da cirurgia para epilepsia. A neuroimagem de alta resolução, como a ressonância magnética funcional e a magnetoencefalografia, permitiu uma identificação mais precisa das regiões cerebrais envolvidas nas crises. Isso tem levado a cirurgias mais focalizadas e eficazes, com menos riscos de danos às funções cerebrais críticas.
No entanto, é importante ressaltar que a cirurgia para epilepsia ainda não é apropriada para todos os pacientes. A individualização do tratamento e a avaliação rigorosa dos riscos e benefícios continuam a ser fundamentais.
Conclusão
A cirurgia para epilepsia representa um avanço significativo no tratamento de pacientes com epilepsia refratária. Ao oferecer uma alternativa viável quando os tratamentos medicamentosos falham, essa abordagem tem o potencial de transformar vidas, permitindo que os pacientes vivam com maior qualidade e liberdade. Com contínuos avanços na tecnologia, neuroimagem e técnicas cirúrgicas, a esperança para um futuro com melhores opções de tratamento para a epilepsia está mais viva do que nunca. No entanto, é crucial que cada caso seja cuidadosamente avaliado por uma equipe médica especializada, garantindo a abordagem mais adequada para cada paciente.
Dr. Fabrício Borba
CRM-SP:174992 | RQE:86771
